A realidade econômica da pecuária bovina de corte brasileira na última década*

11/02/2012 07:36

 

A realidade econômica da pecuária bovina de corte brasileira na última década*

Fabiano Alvim Barbosa
Médico Veterinário, M.Sc.
Doutor Produção Animal
Diretor Brasil Pecuária
Professor Pós-graduação
fabianoalvim@unb.br

Décio Souza Graça
Professor – Escola de Veterinária – UFMG

Venício José Andrade
Professor – Escola de Veterinária – UFMG

Ivo Martins Cezar
Engenheiro Agrônomo, D.Sc.

* parte das informações da tese de doutorado defendida na UFMG pelo primeiro autor

I - Introdução

A pecuária bovina de corte passa por um processo nítido de incorporação de tecnologias com reflexo positivo sobre a produtividade. Observa-se uma mudança de atitude de parcela significativa de pecuaristas movidos pela necessidade de obter maior eficiência produtiva, após a estabilização da moeda, que desestimulou a produção com fins especulativos via compra e venda de gado como forma de obtenção dos lucros anteriormente proporcionados pela elevação de preços (IEL, CNA, SEBRAE, 2000). Essa mudança de atitude refletiu no aumento de produtividade que ocorreu, de 1995 a 2005, com um aumento da produção da ordem de 25%, enquanto o crescimento do rebanho foi de 9%. Esse ganho foi representado pela redução da idade ao abate dos machos em nove meses (de 44 para 35 meses de idade), e um aumento de 4,2 pontos percentuais na taxa de prenhez (de 66,6% para 70,8%) (Anualpec, 2006).

Esse aumento de produtividade da pecuária bovina brasileira está aquém das suas reais potencialidades, pois os sistemas de produção são heterogêneos quanto à incorporação de tecnologias técnicas e administrativas. A quantidade de bovinos abatidos com uso de tecnologias de suplementação nutricional (confinamento, semi-confinamento e pastagens de inverno) ainda é baixa, um total de 5,4 milhões de cabeças, em 2006, quando comparada ao total de abate de 47,1 milhões de cabeças no mesmo ano. Outro fato que chama a atenção é o elevado número de fêmeas abatidas no ano de 2006, 24,2 milhões de cabeças, sendo mais de 50% do total abatido (Anualpec, 2007).

A intensificação do sistema deve ser entendida como a capacidade de explorar com eficiência máxima os recursos existentes buscando alterar a eficiência do processo, sendo que os índices de produtividade devem ser adaptados para cada sistema (Faria, 1986). E dentro do sistema, esses índices devem ser otimizados técnica e economicamente. Algumas maneiras para aumentar os índices produtivos no sistema de produção de bovinos de corte, são descritas abaixo:

  • 1) Melhoria nos índices de reprodução que podem ser avaliados pelo percentual de nascimento e bezerros desmamados.
  • 2) Redução da mortalidade – a perda do bezerro significa menor receita no sistema e a redução dessa taxa com o manejo da propriedade, sendo que o maior número de mortes acontece até o segundo mês de vida do bezerro.
  • 3) Aceleração do ritmo de crescimento – a melhoria na eficiência de crescimento traz resultados mais marcantes que a simples alteração na eficiência reprodutiva ou nos índices de mortalidade (Faria, 1986), sendo fundamental a nutrição, a genética e o manejo sanitário para o desenvolvimento do bezerro.

É importante ressaltar que no sistema de produção os fatores supracitados devem ser analisados em conjunto, pois não adianta ter alta eficiência no ritmo de crescimento se a eficiência reprodutiva for baixa e a mortalidade alta, porque assim, o número de animais no sistema será menor. Beretta et al.(2001) mostraram em um estudo de simulação que a redução da idade ao parto da matriz para dois anos aumentou a produtividade do sistema, sendo que a magnitude de resposta está relacionada à taxa de natalidade, devendo ser de no mínimo 70%. Além disso, os sistemas de produção (cria ou ciclo completo) possuem valores dos indicadores técnicos diferentes, pois no caso de sistemas exclusivos de cria, a venda de vaca descarte tem grande contribuição na receita total do sistema, já no ciclo completo, a criação do bezerro até a engorda, é mais valorizado em relação à vaca descarte no produto físico da empresa (Beretta et al., 2002), relacionando-se ao preço de venda mais elevado do boi gordo e maior eficiência de ganho de peso das categorias de recria e engorda em relação às vacas.

Em um programa de produção contínua de carne, torna-se essencial eliminar as fases negativas de desenvolvimento, proporcionando condições ao animal para se desenvolver normalmente, durante todo o ano, a fim de obter condições de abate, peso e, ou, terminação, mais precocemente. Para isto, é necessário manter o suprimento de alimento em equilíbrio com as exigências dos animais. O uso das tecnologias da suplementação nutricional estratégica (proteinados, semi-confinamento, confinamento) para bovinos e as estratégias de manejo de pastagens (correção, adubação, manejo rotacionado) possuem potencial para aumentar o ganho de peso diário, ganho de peso por hectare/ano, e reduzir a idade de abate dos animais.

O aumento da eficiência produtiva é primordial para a lucratividade da pecuária de corte, sendo que, as atividades produtivas devem ser entendidas e manejadas dentro de um enfoque sistêmico, em busca da maximização de lucros. Os sistemas de produção de gado de corte são complexos e diversificados, não havendo fórmulas e nem recomendações únicas, que possam ser largamente aplicadas por todo o Brasil. Portanto, cada produtor deve desenvolver seu sistema de produção, combinando suas metas às condições ambientais e mercadológicas (Hembry, 1991, citado por Abreu et al., 2003), aliado às capacidades financeiras e aos recursos humanos, com responsabilidade social e ambiental.

É necessário mensurar e avaliar economicamente o impacto do uso das tecnologias disponíveis para o aumento dos índices zootécnicos nas diversas fases do ciclo de produção de bovinos, de acordo com cada sistema em particular, para que essas tecnologias possam ser indicadas, técnica e economicamente. A intensificação está em função do capital disponível de investimento, o risco e a taxa de retorno de cada situação. O uso das tecnologias no sistema de produção tem que ser gradativo e coerente com os objetivos de produção, com coletas precisas dos dados para gerar as informações necessárias, buscando o aprendizado mútuo e contínuo de todos no sistema (Barbosa et al., 2006).

II - O cenário econômico da bovinocultura de corte analisado

Foram usados os dados médios mensais de preços de boi gordo a prazo – BM&F, de julho de 1997 a novembro de 2007 (Esalq/Cepea, 2007), corrigidos pelo Índice Geral de Preços (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) para novembro de 2007 (FGV, 2007) para avaliar o que aconteceu com os preços históricos durante a última década. Como pode ser notado (Gráfico 1) ocorreu um cenário de alta de preços, de fevereiro de 1998 à dezembro de 1999, seguido de um cenário de baixa de preços, de janeiro de 2000 à dezembro de 2003, e uma queda acentuada de janeiro de 2004 à junho de 2006. Somente no período de junho de 2007 até novembro de 2007 é que ocorreu um cenário de recuperação de preços (em alta) que vem ocorrendo até o mês de março de 2008. Em resumo, a atividade vem trabalhando em um cenário de preço baixo desde de 2000, o que ocasionou a perda de rentabilidade no setor da pecuária bovina de corte, e somente com recuperação de preços a partir do final do ano de 2007 e nesse ano de 2008.

Gráfico 1 – Variação dos preços de venda (R$) da arroba de boi gordo a prazo (BM&F) corrigidas pelo IGP-DI, no período de julho de 1997 a novembro de 2007

Nesse cenário de crise é que foram avaliados econômicamente quatro sistemas de produção de bovinos de corte, nos estados de Minas Gerais e Bahia (Tabela 1). Os resultados encontrados não servem para comparar entre si os sistemas, pois existem influências de meio, condições climáticas e de solo, mercado, objetivo do negócio empresarial e tamanho das propriedades.

Foram considerados como fatores variáveis os custos com compra de animais para recria e engorda, alimentação (suplementos protéico-minerais, suplementos minerais, concentrados), medicamentos (vacinas, vermífugos, remédios em geral), adubação de manutenção das pastagens e lavouras, mão de obra permanente e temporária, serviços de manutenção e reparos, combustíveis. Os custos operacionais fixos foram representados pela depreciação das benfeitorias, formação e/ou correção das pastagens e lavouras perenes, máquinas e equipamentos, touros e tropa de serviço, além das depesas gerais fixas como impostos, consultorias, despesas (energia, telefone, materiais diversos, alimentação entre outros). Os custos operacionais totais resultaram da soma dos fixos com os variáveis.

O cáclulo dos indicadores econômicos foram da seguinte maneira:

  • 1) margem bruta = receitas totais – custos operacionais variáveis
  • 2) lucro operacional = receita total – custos operacionais vairáveis – custos operacionais fixos
  • 3) retorno do capital investido = lucro ÷ capital investido na atividade (patrimônio + capital de giro)

O retorno do capital investido foi calculado de duas maneiras:

  • 1) Considerando o lucro operacional
  • 2) Considerando o custo de oportunidade do capital investido na atividade e a variação patrimonial (terras, benfeitorias, máquinas e rebanho) nos anos avaliados

O sistema de recria-engorda extensivo caracterizado por baixa tecnificação obteve baixa produção de peso vivo por hectare, lotação por hectare e taxa de venda. Essa baixa produtividade ocasionou em prejuízo, isto é, a receita total não conseguiu pagar nem os custos operacionais variáveis totalmente (margem bruta negativa). O sistema de engorda intensivo com uso de tecnologias (adubação de pastagens e confinamento) obteve elevados índices produtivos: produção de peso vivo, lotação e taxa de venda. Apesar de maior necessidade de desembolsos para custeio e investimento a intensificação proporcionou a atividade lucro operacional, isto é, a receita total pagou todos os custos operacionais variáveis e fixos (inclusive depreciações). Os sistemas de ciclo completo semi-intensivo também obtiveram lucro operacional (Tab. 1).

Como o período avaliado desse estudo compreendeu os cenários de baixa de preço de venda de bovinos (2000 a 2006), o retorno do capital investido médio anual foi abaixo das taxas médias anuais de poupança em todos os sistemas, ficando negativo no sistema de recria-engorda extensivo. Ao analisar a variação patrimonial positiva (maior alta para o valor da terra) que ocorreu durante os anos, mesmo considerando o custo de oportunidade do capital investido, a taxa de rentabilidade aumentou, mas com retorno também baixo (Tab.1).

Tabela 1 – Médias anuais dos indicadores técnicos e econômicos de acordo com cada sistema de produção avaliado

Média Anual Engorda
Intensivo
Recria-engorda Extensivo Completo
Semi-intensivo
Completo
Semi-intensivo
Período avaliado 2004 a 2007 2005 a 2007 2000 a 2004 2004 a 2006
Estado Minas Gerais Minas Gerais Bahia Minas Gerais
Média de cabeças 459 240 3.878 10.844
Hectares (ha) 155 458 2.926 9.129
Lotação – cabeças/ha 3,0 0,5 1,3 1,2
Peso vivo produzido/hectare – kg 703 50,7 NA NA
Taxa de venda % 77,5 30,6 NA NA
Taxa de desfrute % NA NA 29,0 38,0
Custos Oper. Variáveis – R$ 844.533,52 162.929,43 339.972,72 2.214.351,34
Custos Oper. Fixos - R$ 53.357,96 24.169,24 315.798,88 736.193,21
Custo Oper. Total  - R$ 897.891,48 187.098,67 655.771,60 2.950.544,55
Receita total – R$ 922.993,28 156.201,04 909.712,42 3.990.039,65
Margem bruta – R$ 78.459,76 (6.728,39) 569.739,70 1.775.688,31
Lucro Operacional – R$ 25.101,81 (30.897,63) 253.940,82 1.039.495,10
Lucro Operacional/hectare – R$ 156,89 (67,46) 86,79 113,87
Retorno Capital - % 1,33 (3,10) 3,39 4,75
Retorno Capital com VP - % 3,44 5,34 9,75 9,21

VP = variação patrimonial
NA = não avaliado
Valores numéricos entre parênteses são negativos.

III - Considerações gerais

A caracterização do sistema de produção de bovinos de corte com avaliações zootécnicas e econômicas realizadas periodicamente e por um período maior ou igual a 3 anos permite verificar as variações desses indicadores que ocorrem dentro de cada sistema em função do mercado, do uso de tecnologias, das condições edafoclimáticas e do manejo técnico gerencial das propriedade, além, dos objetivos do proprietário. Essas informações levantadas, bem como suas respostas às variações técnicas e econômicas, são importantes para a tomada de decisão do negócio.

É necessário mensurar e avaliar economicamente o impacto do uso das diversas tecnologias disponíveis para o aumento da produtividade nas diversas fases do sistema de produção de bovinos de maneira global e não isoladamente.

A produtividade, a variação do sistema de produção, o ano analisado, os preços de venda dos bovinos, a valorização patrimonial do rebanho e da terra exerceu influência na viabilidade econômica do negócio. As valorizações patrimoniais da terra e do rebanho, em médio prazo, podem melhorar essas taxas de rentabilidade, sendo um dos fatores que podem levar investidores a permanecerem no negócio.

Os resultados encontrados nesse trabalho referem-se a cada sistema de produção, onde as particularidades de cada fazenda, do manejo geral e de seu proprietário, podem sofrer grandes variações, portanto, servem como referência para sistemas de produção e para acompanhamentos futuros como parâmetro de comparação para sistemas que tenham características semelhantes aos descritos.

O cenário de crise na pecuária bovina de corte da última década afetou diretamente os resultados econômicos desse trabalho. A tendência de alta nos preços de vendas dos bovinos que vem sinalizando nesse ano de 2008 nos perimite dizer que as taxas de rentabilidade serão maiores do que apresentadas nesse estudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, U.G.P, CEZAR, I.M., TORRES, R.A. Análise bioeconômica da introdução de período de monta em sistemas de produção de rebanhos de cria na região do brasil central. Rev. Bras. Zootec., v.32, n.5, p.1198-1206, 2003.

ANUALPEC. Anuário da Pecuária Brasileira. São Paulo: Instituto FNP, 2006. 369p.

ANUALPEC. Anuário da Pecuária Brasileira. São Paulo: Instituto FNP, 2007. 368p.

BARBOSA,F.A. Viabilidade econômica de sistemas de produção de bovinos de corte em propriedades rurais nos estados de Minas Gerais e Bahia. 2008. 155p. Tese (Doutorado em Zootecnia), Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.

BARBOSA, F.A., SOUZA, R.C., GRAÇA, D.S. Planejamento e gestão na bovinocultura de corte. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE PRODUÇÃO E GERENCIAMENTO DA PECUÁRIA DE CORTE, 4, 2006, Belo Horizonte. Anais ... Belo Horizonte: Escola de Veterinária, 2006, CD-ROM.

BERETTA, V.; LOBATO, J.F.P.; MIELITZ NETTO, C.G. Produtividade e eficiência biológica de sistemas de produção de gado de corte de ciclo completo no Rio Grande de Sul. Rev. bras. zootec., v. 31, n.2, p.991-1001, 2002 (suplemento).

BERETTA, V., LOBATO, J.F.P., MIELITZ NETTO, C.G. Produtividade e eficiência biológica de sistemas pecuários de cria diferindo na idade das novilhas ao primeiro parto e na taxa de natalidade do rebanho no Rio Grande do Sul. Rev. Bras. Zootec., v. 30, n.4, p.1278-1286, 2001.

FARIA, V.P. Medidas para o aumento da eficiência de produção de carne bovina. In: PEIXOTO, A.M. , MOURA, J.C., FARIA, V.P. ed., Bovinocultura de corte: fundamentos da exploração racional. Piracicaba: FEALQ, 1986, p. 221-229.

IEL, SEBRAE, CNA. Estudo sobre a eficiência econômica e competitividade da cadeia agroindustrial da pecuária de corte no Brasil. 2000. Disponível em <https://www.cna.org.br/PublicacoesCNA/EstudosdasCadeiasProdutivas/Pecuaria de corte>. Acesso em: 17.ago.2003.